Os 35 anos da Constituição Federal e a educação antirracista
Artigo publicado no site Brasil de Fato, em 5 de dezembro 2023
7 dez 2023, 19:33 Tempo de leitura: 3 minutos, 46 segundosPassados 35 anos desde que a Constituição brasileira foi promulgada, podemos dizer que houve passos importantes apontando para a igualdade racial, mas incompletos, na Carta Magna de 1988. Questões sociais, educacionais e culturais não foram garantidas como Direitos da população negra, e, durante essas três décadas e meia, o movimento negro permanece lutando para que leis sejam criadas, implementadas e cumpridas pelos órgãos governamentais e pela sociedade como um todo.
No caso da Educação, tema extremamente caro para mim que sou professor, não teve avanço relevante para a democracia racial nas instituições de ensino. A Constituição apenas sinalizou a necessidade de o currículo escolar refletir a pluralidade racial brasileira. Muitas propostas foram rejeitadas, o que, em parte, é atribuída à pequena representativa de parlamentares constituintes negros e negras.
No entanto, a luta do movimento negro continuou exercendo a força das ideias e da esperança.
A lei 10.639 foi assinada, completando 20 anos em janeiro passado. Com a sua aprovação, tornou-se obrigatória a inclusão da história e cultura afro-brasileira no currículo da educação básica e formação de professores.
Em 2008, a legislação avançou: fortaleceu a luta indígena com a criação da lei 11.645, unindo, ampliando e pautando a expressão do negro e indígena no ambiente escolar. A redação da nova lei acrescentou no currículo escolar “a luta dos negros e dos povos indígenas no Brasil, a cultura negra e indígena brasileira e o negro e o índio na formação da sociedade nacional, resgatando as suas contribuições nas áreas social, econômica e política, pertinentes à história do Brasil”.
Em 2014, o Plano Nacional de Educação reforçou a aplicação da lei ao estabelecer metas e prazos para que os currículos promovessem plenamente o ensino previsto nas legislações.
Embora décadas tenham se passado, podemos afirmar que as leis que determinam a educação antirracista não foram implementadas de forma efetiva. Há uma distância entre o que se propõe e o seu resultado. Com toda certeza, o motivo está na intolerância, na discriminação e no racismo.
Vale ressaltar que nos quatro anos do governo anterior, o retrocesso não foi maior graças à resistência de nossos educadores, da organização dos negros e dos indígenas.
Como negro e professor, nascido e criado em São Gonçalo, município da periferia do Rio de Janeiro, com formação em escola e universidade públicas, não posso deixar de expressar minha frustração com os passos lentos dados na aplicação dessas leis.
Recentemente uma pesquisa do Instituto Negra Peregum e do Projeto SETA revelou que 38% das pessoas que sofreram racismo no Brasil foram vitimadas em escolas ou universidades.
É muito estarrecedor a certificação de que é no ambiente escolar que a maioria das pessoas enfrenta os primeiros ou os mais fortes atos racistas.
Para reverter esse inaceitável quadro, temos que pôr foco no ensino e reverberar a contribuição do povo negro nas áreas social, cultural, econômica e política para a História do Brasil. No mesmo sentido, precisamos valorizar os intelectuais e artistas negros brasileiros, da literatura, música, da culinária e da dança e as religiões de matriz africana.
As escolas de nível médio e fundamental não somente precisam aplicar as leis da cultura e história negra e indígenas em sala de aula, como também desenvolver a formação antirracista continuada, para abranger o docente, o cozinheiro da merenda, o inspetor e os funcionários das secretarias de Educação.
A não aplicação das leis 10.639/03 e 11.645/08 e a falta de investimentos em pastas de combate ao racismo na estrutura dos estados e municípios contribuem para a perpetuação do racismo. A Constituição Federal, chamada de carta democrática e cidadã, pode ter plantado uma semente, e a ampla educação antirracista pode mudar o Brasil. E como sabemos, não há democracia com racismo.
*Deputado estadual Prof. Josemar – PSOL/RJ, presidente da Comissão de Combate às Discriminações e Preconceitos Raciais da Alerj.
**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha do editorial do jornal Brasil de Fato RJ.
Edição: Mariana Pitasse