356 anos de escravidão no Brasil deixaram marcas profundas na nossa sociedade
Entrevista para jornal Universo Parlamentar - em julho de 2023
31 jul 2023, 15:16 Tempo de leitura: 3 minutos, 16 segundos1) Como senhor analisa a questão do racismo no Brasil e no exterior?
A luta antirracista precisa ser internacionalizada. A pauta racial tem muitos pontos que convergem no mundo inteiro, até porque a cor da pele é vista como motivo para os ataques discriminatórios.
Tanto no Brasil como nos Estados Unidos, os escravos foram trazidos da África pelos europeus em navios negreiros gerando um cruel entendimento de que o negro era inferior. Este pensamento para uma parte da população perdura até hoje. Na Europa, a xenofobia também tem seus fortes componentes racistas, por não aceitarem pessoas que imigram da África e de outras regiões do mundo para os seus países brancos e puros. Aqui o racismo é estrutural, lá é original.
2) Os sucessivos episódios de racismo contra o jogador de futebol Vinícius Jr. na Espanha, estimularam a criação desse projeto de lei?
Sim. Quando Vini Jr. começou a se rebelar contra os atos racistas nas arquibancadas da Espanha, acendeu o alerta de que precisávamos fazer alguma coisa para punir comportamentos desse tipo no Brasil. Por exemplo, há algum tempo tivemos uma postura racista no Rio Grande do Sul da parte do goleiro Aranha. Então , a Lei 10.053/23 não só determina o encerramento total da partida em caso de conduta racista, mas também torna obrigatória a divulgação de campanhas educativas antirracistas nos intervalos das partidas esportivas. Há ainda um protocolo na lei de combate ao racismo.
3) Como desportista e cidadão negro, como o senhor se sente após a sanção dessa emblemática lei estadual?
Pessoalmente, me sinto feliz
porque sou flamenguista, time em que Vini Jr. jogou e cresceu nele. Também sou nascido e vivo em São Gonçalo, município onde Vini morou. Como deputado negro e gonçalense, é muito gratificante ter sido autor de uma lei que ganhou o nome de Vini Jr., um jogador que virou símbolo da luta antirracista, por sua postura de enfrentamento no estádio, diferenciada de atitudes de outros atletas que não fizeram este tão forte embate.
4) Qual a sua expectativa em relação à efetiva aplicação dessa lei por parte das autoridades?
A votação da lei na Alerj foi rápida e obteve a unanimidade de votos dos parlamentares. O governador também a sancionou na íntegra. Portanto, acredito que será aplicada em sua totalidade nos campos e arenas esportivas. Mas estarei atento e fiscalizando o cumprimento da lei.
5) Nenhum recém-nascido é racista. Em que fase da vida o senhor acredita que o sentimento racista começa contaminar as pessoas?
Foram 356 anos de escravidão no Brasil que deixaram marcas profundas na nossa sociedade. O racismo é estrutural. Na educação pública, por exemplo, não dão atenção à história do negro na perspectiva das artes e dos intelectuais negros e da história da África. As aulas são somente sobre os escravos. Por isso, educação antirracista é fundamental para as gerações futuras.
6) Desde 2010, o UNICEF promove uma campanha no Brasil denominada “Por Uma Infância Sem Racismo”, cujo objetivo é combater a discriminação racial nas escolas de todo país. Lamentavelmente, dos 5.570 municípios brasileiros, poucos estão efetivamente engajados nessa iniciativa. Em sua opinião, o que leva a maioria absoluta dos prefeitos ignorarem essa campanha de enorme relevância social?
A invisibilidade das campanhas, programas e projetos voltados para a população negra passa pelo racismo estrutural. Recentemente, o nosso mandato fez um levantamento que mostrou que apenas 16 municípios do Estado do Rio de Janeiro criaram leis municipais e cumpriram o percentual mínimo de reserva de vagas para negros e indígenas nos concursos públicos municipais. A luta antirracista vem de longo tempo, do movimento negro e das lideranças na busca por justiça e igualdade raciais. E não pode parar.